Myriam Coeli



Entre sombra e pedra
desfolhada rosa
solitário espinho
que, alado e mudo,
perpassa o tempo.
(O tempo do tempo
que tempo já era).

Myriam Coeli


É uma escritora potiguar de fundamental importância ao cenário da literatura do Rio Grande do Norte. Nascida em Manaus, em 19 de novembro de 1926, foi trazida ainda criança para São José do Mipibu, cidade interiorana do estado. 

Estudou em Natal e no Recife; e fez os estudos finais em Espanha onde diplomou-se pela Escola Oficial de Jornalismo de Madrid. Com isso foi a primeira profissional mulher no jornalismo a ocupar o devido lugar trabalhando em jornais como Diário de Natal, Tribuna do Norte e A República.




Publicou sua primeira obra em 1961: Imagem virtual, escrito em parceria com o seu marido Celso da Silveira; em 1980, saía do prelo o segundo título, Vivência sobre vivência e Cantigas de Amigo (1981), este último o mais conhecido e o terceiro, Inventário.

Morreu em 1982, vítima de um câncer.

Crítica em torno de sua obra

O universo poético de Myriam Coeli é construído à base da ternura e vigor, metafísica e cotidiano, dor e lúcida revolta, parafraseando Tarcísio Gurgel em seu livro Informações da Literatura Potiguar. "Versos límpidos, idéias depuradas pela utilização de um léxico e uma sintaxe onde a nota predominante é a elegância de uma poesia clássica, na adequada acepção deste termo, e nenhum lamento que visasse à exploração de seu próprio sofrimento pessoal." (GURGEL, 2001, p. 99-100).

Da obra Vivência sobre vivência, Irma Chaves, na sua obra O jogo da criação, comenta que "desde o título, a repetição se propõe como base para o jogo que consiste em estabelecer novas relações entre elementos já dados de forma a ampliar o campo de significação. Isoladamente não se encontra a invenção em quaisquer dos níveis dessa construção poética. O léxico, a sintaxe, a imagética, o ritmo, tudo se inscreve, com raras exceções, na tradição literária." (1984, p. 78)

Em Cantigas de amigo, um aparente anacronismo, desfastio poético, só justificável por sua indiscutível capacidade de criar, emenda Tarcísio Gurgel.

Amostra da poética de Myriam Coeli

Marinha

O mar, sacudido pela viração, desata seu canto. As rochas parecem mover-se palpitantes — pássaros de pedras — na solidão. Agita-lhes os braços esverdeados das ondas inquietas. Braços de ondas que se enroscam nas pedras e oferecem flores de espumas. O mar se movimenta em seu volume verde vivo. Canta e vive. Sacode-se em ondas e dança na tarde, numa ilimitada alegria de luz. Sacode-se, dança e vive. Palpitante de vida, trêmulo de músicas, o mar desliza na tarde numa tocante comunicação de beleza. Há pássaros, gritos de pássaros, trinados de pássaros em seu canto. Há maior que o canto, a solidão imensa desse mar que se arrasta numa inconseqüente alegria, numa inútil palpitação e numa incompreendida harmonia. O mar é o mistério. É a própria solidão.

As pedras caminham. Há uma procissão de rochas no silêncio da tarde. Elas caminham pelo mar, sem destino, caminham dia e noite, incansáveis, insofridas. Perdem-se sob uma nuvem de espumas, reaparecem escuras e desalentadas e caminham em sua resignação.

O mar apenas se importa com o canto. Porém, há outros motivos que se harmonizam com sua indecifrável beleza. Velas douradas que se incendeiam na luz do sol que envelhece. Peixes de dorso brilhante fazem cambalhotas, traçam elipses com seus corpos esguios e se aprofundam nas águas inconstantes. Búzios coloridos guardam vozes estranhas e toda uma vegetação palpita e se desenvolve no segredo dessas águas milenares...

(In A República, 20/ 10/ 1957)



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