Literatura, poesia, educação

Por Pedro Fernandes




As avaliações tradicionais em sala de aula ainda existem e deverão existir sempre (ao que parece); ainda engatinhamos nas discussões sobre uma possibilidade de ver como e o que poderemos fazer, como professores, para contribuir com um aprendizado em que o método avaliativo mude. Não é o caso de apagamento total do chamamos de método tradicional avaliativo. Mesmo, porque a depender dos saberes, tal método é indispensável. Mas é, pensar alternativas outras.

As avaliações do ensino, tal qual concebemos, falham porque entre outros motivos contribuem para o arraigamento de um ensino mecanizado, afinal de contas, o aluno pode levar o semestre ou bimestre como quer, se matar de estudar nas vésperas da prova (o que, em grande parte, significa memorizar conceitos e relações conceituais) e, mesmo assim, ser aprovado com conceito A.

Não é apenas isso, mas também vão de encontro ao ensino pregado nos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacional (PCN's) e nos aparatos teóricos os quais os licenciandos estudam nas cadeiras universitárias. Quer dizer, do ponto de vista teórico ou mesmo dos documentos parece existir alternativas que viabilizam superar esses métodos de reprodução fixada dos saberes, mas existe um fosso entre esses lugares e a prática. No caso da produção textual, por exemplo, a mera reprodução escrita seguindo moldes pré-estabelecidos, favorece uma não-autonomia da e pela escrita para uma escrita fabricada a título de impressionar o professor a ser generoso com a nota.

A avaliação como entrevista

Por esta percepção, é que compartilho com os leitores avisados ou desavisados deste blog uma avaliação que fiz na disciplina de Prática de Ensino II na faculdade. Encare, leitor, como uma entrevista, em que o professor é o repórter e eu o entrevistado. É uma brincadeira que faço aqui, mas extremamente saudável uma vez ser meu interesse fugir das concepções tradicionais e arcaicas.

Entrevista

O entrevistado é Pedro Fernandes, deste blog e para este blog. Pedro Fernandes é, atualmente aluno do sétimo período de Letras, Língua Portuguesa, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, UERN.

Entrevistador: Usando o texto abaixo como ilustração ou argumento, responda a seguinte questão: o poeta trabalha com ou o poeta trabalha o signo lingüístico?

Vozes veladas, veludosas vozes
Volúpias dos violões, vozes veladas
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas

Pedro Fernandes: Ao falarmos de poesia, falamos de palavra viva, entendendo esta como a que cria realidades, que dispara sensorialmente nos leitores, sensações, daí o fundamento de ser a poesia melhor inclinada para a dimensão estética da linguagem. Assim sendo, sempre estará em jogo o trabalho com e do signo lingüístico; não há como dissociar, trata-se de um processo simultâneo. O ato de leitura do texto poético já define isso. Ler poesia é puxar fios do signo que se desdobram em significantes; uma vez encarado o signo lingüístico em poesia como portadores de significantes perceberemos que as palavras são nômades, móveis, flexíveis, abertas.

Tomando como exemplo fragmento de Cruz e Souza a fim de explicar essa ausência de dissociação entre o com e o o, percebemos um trabalho com o signo à medida que as palavras são modeladas no corpo no poema. Quando defino que elas são modeladas no corpo do texto, já está embutido que ele trabalha o signo lingüístico haja vista que não são dispostas aleatoriamente, elas têm e cumprem um propósito.

Entrevistador: Segundo Magnani, “Percebe-se, hoje, em nossas escolas, uma grande distância entre a intenção explícita em formar leitores críticos, com gosto e habito de ler, e o fato de esses alunos demonstrarem desagrado e incompetência em relação à leitura”. Pergunta-se: (a) terá sido sempre assim? (b) Por que hoje isso acontece? (c) Como reverter esse quadro a partir (c.1.) da escola, (c.2.) do professor e (c.3) do aluno?

Pedro Fernandes: O berço da educação brasileira esta na elite. Se olharmos a poucos anos atrás, afinal de contas, não somos tão velhos assim, veremos que o esboço de esforços a fim de uma alfabetização da população só se dará mais precisamente há vinte anos. Basta esta constatação para percebermos que o descaso com o a educação é algo inerente desde que somos Brasil. Se para com a educação obedecemos a esta constatação, para a formação de leitores críticos não é diferente, uma vez que, no país se priorizou desde sempre uma formação a título de exercer uma profissão. Justifique-se os pequenos grupos de intelectuais brasileiros. Dificilmente são das letras, mas vêm de outra formação. O que se conjuntou de intelectuais no Brasil, em sua grande maioria, foi um certo atrevimento a fim de se mostrar ao mundo que por aqui se vivia de pensar, ler e escrever.

Os fatores do descaso são muitos; enumerá-los daria em mais um livro destes de besteirol que se tornaram popular quando se avistou uma crise. Não haveremos de atribuir culpa a sujeito A ou B, mas sabemos que os governantes carregam uma boa parte desse desgostoso bolo, porque o interesse deles foi sempre o de uma camada de ignorantes que possam mendigá-los e eles venderem seus votos. Isso é o mais visível; basta não irmos muito longe e citar a “belezura” dos programas educacionais do governo Lula, unicamente voltados para o sucateamento do sistema educacional e os programas sociais para a criação de uma corja de acomodados. Esse discurso de “ensinar a pescar” nunca foi tão forjado como vemos agora. Isso acontece porque os interesses dos políticos continuam sempre os mesmos desde que políticos são políticos neste país: enriquecimento próprio e ganhar nome para ir para as barbas da história.

Reverter este quadro? Parece coisa para louco. Talvez se esconda em alguma cartola um fio de Ariadne que dê com uma sonhada revolução pela educação. Não dá para acreditar que, somente pela formação de leitores críticos a coisa venha melhorar, mas talvez esteja aí um começo. Nesse jogo de empurra-empurra só resta apelar para a figura pálida do professor como base para que tal revolução aconteça. Acontece, no entanto, que as universidades, ainda centro sucateados de excelência, parecem sofre de certa esquizofrenia que as fazem esquecer-se de formar professores e/ou pesquisadores. Em sua grande maioria apenas amontoam gente para o mundo para nada. Aonde isso vai dar? Boa pergunta.

Entrevistador: De que forma o texto poético poderia garantir o salto qualitativo no aluno-leitor?

Pedro Fernandes: Não só o texto poético, mas a literatura em si é única e exclusivamente uma receita para tudo. Não que ela se comporte como um novo messias, mas se dela não apreendermos nada, pelo menos nos entretemos e esquecemos a miséria que constrói este país a luz de um falso crescimento.

Entendendo o texto poético como terreno por onde a palavra se funda e se ressignifica; entendendo o texto poético com força motriz de uma realidade própria, entenderemos que ele garante a certeza de que se posso refletir as multicaras do signo lingüístico e se disso sou capaz é porque sou capaz também de ler as misérias do mundo. Noutras palavras, a capacidade de sentir poesia é capacidade de tecer crítica e tecer crítica é o primeiro passo para ser cidadão no que se refere o sentido da palavra.

Falar da poesia e do signo lingüístico poético é complexo porque a literatura é um objeto artístico no qual a função primordial é não ter função. A palavra sempre é no texto poético o material bruto, sobre o qual é necessário o poeta trabalhar, esculpi-la com um olhar estetizante. Logo, a poesia é por si só objeto atuante no campo da estética. Nela não se ancora um real verdadeiro, há um real fabricado. Se assim compreendemos, o texto poético é sempre, enfaticamente, construção

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