A poesia de Antonio Cicero




Antonio Cicero é um dos escritores mais proeminentes da literatura carioca contemporânea. Tem se dedicado ao longo de sua carreira a várias escritas – seja como poeta, letrista e ensaísta. Dessas várias faces é mais conhecido no Brasil pela sua poesia. Produção que se deu desde jovem, mas só se torna popular quando sua irmã, a cantora, compositora e também escritora (ela publicou recentemente o livro de crônicas Maneira de ser, pela Editora Língua Geral) passou a musicá-la. Músicas, aliás, bastante conhecidas, como “Fullgás” e “Para começar”.

Diga-se, Cicero não vem de família simples. O pai, Ewaldo foi diretor-executivo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e executivo no Banco Interamericano de Desenvolvimento, ocasião em que morou em Washington, Estados Unidos, e onde o filho fez os estudos secundários. 

Mais tarde, devido a problemas políticos, Cicero foi para Londres, onde concluiu o curso de Filosofia iniciado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e depois no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois do curso superior, fez pós-graduação na Georgetown University, num retorno aos Estados Unidos.

Como parceiro de Marina Lima, Antonio Cicero conhece e faz outras parcerias musicais com compositores como Waly Salomão, João Bosco, Orlando Moraes, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos. 

A aproximação dos escritores famosos se deu quando, em 1993, em colaboração com Waly Salomão, também poeta, e com o patrocínio do Banco Nacional, criou o projeto “Banco Nacional de Ideias”; aí promoveu ciclos de conferências e discussões sobre João Cabral de Melo Neto, Haroldo de Campos, Caetano Veloso, Todorov, Darcy Ribeiro, Hans Magnus Enzensberger, João Ubaldo Ribeiro, Zuenir Ventura, Cacá Diegues, entre outros.

Dois anos depois, Cicero publica seu livro O mundo desde o fim; era seu primeiro livro no gênero ensaio filosófico e logo ganhou o Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira.  Além dessa obra, destaque também para Finalidades sem fim. Sua produção mais recente no gênero é Poesia e filosofia, editado em 2012.

Em 1996, publicou seu primeiro livro de poesia Guardar, seguido de A cidade e os livros, eleitos pela crítica como melhor material poético desde Carlos Drummond de Andrade, pela capacidade de unir as vozes do tradicional com o erudito. 

O terceiro volume do gênero só viria também em 2012: Porventura, feixe de 35 poemas em que o mote do diálogo entre o tradicional e o clássico se renova.

Abaixo, deixamos alguns poemas de Antonio Cicero.


Canção da alma caiada

Aprendi desde criança
Que é melhor me calar
E dançar conforme a dança
Do que jamais ousar
Mas às vezes pressinto
Que não me enquadro na lei:
Minto sobre o que sinto
E esqueço tudo o que sei.
Só comigo ouso lutar,
Sem me poder vencer:
Tento afogar no mar
O fogo em que quero arder.
De dia caio minh'alma
Só à noite caio em mim
por isso me falta calma
e vivo inquieto assim.

Nota: Esta é a primeira letra que Marina musicou, feita por Cícero nos Estados Unidos, "Canção da Alma Caiada". Maria Bethânia chegou a gravar a música em 1977, mas foi censurada. Anos depois, Zizi Possi fez nova gravação. Embora Marina já tenha cantado essa canção em shows, nunca a gravou em disco.

Simbiose

Sou seu poeta só
Só em você descubro a poesia
Que era minha já
Mas eu não via.
Só eu sou seu poeta
Só eu revelo a poesia sua
e à noite indiscreta
você de lua.

Inverno

No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir
de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar
(a Suzana Morais)

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.


Fonte: as informações biográficas bem como os poemas publicados neste post constam no site oficial do escritor (aqui).


* Esta post foi atualizada em 18 de novembro de 2012.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #576

O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk

Boletim Letras 360º #575

Boletim Letras 360º #570

Boletim Letras 360º #574

Dalton por Dalton