Machado de Assis: Feliz ano Novo

ESPECIAL CENTENÁRIO MACHADO DE ASSIS

Por Carlos Faraco*




Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1899.

Passagem de ano. Virada de século.

Reforçam-se as crenças nas mudanças e também cristaliza-se o medo do desconhecido.

Apocalipse ou paraíso?

“Quanto ao século, os médicos que estavam presentes ao parto reconhecem que este é difícil, crendo uns que o que agora aparece é cabeça do XX, outros que são os pés do XIX. Eu sou pela cabeça, como se sabe.”

Quem escreveu isso foi um mulato que, naquela passagem de século, tinha 61 anos incompletos. Nunca fora bonito e consta que era meio gago. Nessa altura da vida, uma das figuras mais ilustres da literatura brasileira daquele e de todos os tempos: Joaquim Maria Machado de Assis, ou simplesmente Machado de Assis, como já era conhecido em 1899.

A vida do sexagenário Machado transcorria em normalidade. Não era rico, mas vivia confortavelmente. Trabalhava bastante, era respeitado e famoso. E, sobretudo, muito amado por sua Carolina, com quem se casara 30 anos antes e quem confessara um dia: “eu vivo e morro por ti”.

No entanto, nem sempre tinha sido assim. Criança pobre, neto de escravos alforriados, nascido no morro, já confessava, desde cedo, sentir “umas coisas estranhas”: talvez as primeiras manifestações da epilepsia.

Apesar dessa limitação, o menino Joaquim Maria costumava emaranhar-se pelas ruas da cidade onde nasceu, escreveu, amou e morreu, o Rio de Janeiro:

“Eu sou um peco fruto da capital, onde nasci, vivo e creio que hei de morrer, não indo ao interior senão por acaso e de relâmpago.

Na época do Império, o Rio de Janeiro era bem diferente do que hoje conhecemos. Possuía iluminação – a gás – apenas no centro. A cidade, malcheirosa, com águas estagnadas por todos os lados, contava com um transporte muito precário para uma população estimada em 300 mil habitantes, metade escravos.

A arquitetura das “chácaras” dos ricos contrastava com as humildes casas da gente comum. Foi numa dessas casas, no morro do Livramento, que o pintor (de paredes) Francisco de Assis e a portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis viram nascer o menino Joaquim Maria, um pouco antes da segunda metade do século. Mais precisamente em 21 de junho de 1839.

Nos primeiros anos, com certeza, o menino freqüentou a Chácara do Livramento, sob proteção da madrinha, senhora muito rica, dona da propriedade.

Aos seis anos presenciou a morte da única irmã. Quatro anos depois morre-lhe a mãe. Em 1854 o pai casou-se com Maria Inês. Aos 14 anos, já podemos encontrar o menino Joaquim Maria ajudando a madrasta a vender doces para sustentar a casa, tarefa difícil depois da morte do pai. Se freqüentou escola regularmente, não se sabe. O que se sabe é que nessa altura já sabia escrever.

É certo também que o adolescente não pouparia esforços para sair do anonimato do morro e integrar-se à vida intelectual da cidade. Aqui começa, de fato, a trajetória do escritor Machado de Assis.

Lances espetaculares de sorte, sucesso imediato, consagração instantânea do público e da crítica, riqueza, fama... Nada disso ocorreu com Machado. Sua perfeição artística resultará de um longo amadurecimento. Tudo ocorreu passo a passo. A alta qualidade de sua literatura vai revelar-se nas obras da idade madura.

É por isso que a crítica costuma falar nas “duas fases da literatura machadiana”.

Ligações a esta post:
>>> Machado de Assis: Feliz ano novo



* FARACO, Carlos. Machado de Assis – Um mundo que se mostra por dentro e se esconde por fora. In: ASSIS, Machado de. Histórias sem data. São Paulo: Ática, 1998.

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