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Mostrando postagens de novembro, 2008

O africano, de J. M. G. Le Clézio

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Por Javier Aparicio Maydeu “Quem sou eu?” é a frase com que André Breton começa seu romance Nadja (1928), cujas audácias formais, a collage fotográfica e seu manejo autorreferencial da linguagem influenciaram na obra inteira desse piccolo genio chamado Jean-Marie Gustave Le Clézio (Niza, 1940), que em 1963 publica Le procès-verbal ; com 23 anos o escritor demonstra ter aprendido bem a lição das vanguardas e a fama da náusea de Sartre e do absurdo de Camus, além da diatribe contra os modos de vida do mundo contemporâneo, pois o também desenraizado Adam Pollo, seu reflexo e herói anônimo, alienado e sem rumo, busca a si mesmo num meio hostil. A aparência formal de Le procès-verbal ou Le déluge (1966) induzia a pensar que seguia os ditames do nouveau roman de Robbe-Grillet e Butor seja pela dimensão de seu trabalho verbal e sua obsessão pelos objetos e a perscrutador olhar descritivo; mas a pequena precisão asséptica de sua prosa escondeu sempre o lirismo, os caminho

"A Viagem do Elefante", o aniversário de 86 anos de José Saramago e outras novidades saramaguianas

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Em Portugal, pela mão da Editora  Caminho  e no Brasil, pela da Companhia das Letras , começou a viagem de Salomão, que já está nas livrarias. Em breve também arrancará a viagem em Espanha pelas edições da Alfaguara e a catalã da Edicions 62 ; estes últimos sairão em novembro. Salomão voltará a percorrer a Europa e irá até à América, desta vez com Saramago como cornaca, já que no Brasil se fará o lançamento mundial deste livro, que não romance, que não conto, que Saramago queria escrever desde há alguns anos e que, finalmente, concluiu com mão sábia e ligeira. Um livro que apaixona e que foi considerado pela crítica portuguesa uma obra-prima, comparável às maiores de Saramago. Um livro que prenderá o leitor e alargará o universo dos saramaguianos.   Uma discreta celebração Saramago já tem 86 anos. Completou-os ontem em Lisboa, com amigos. De todo o mundo chegaram felicitações, por e-mail receberam-se apresentações magníficas e muitos bons votos, telefonemas de vários continentes

O Martírio de Joana D'Arc, de Carl Theodor Dreyer

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A atuação de Maria Falconetti, como mártir, é considerada uma das melhores do cinema O cinema do dinamarquês Carl Theodor Dreyer é um dos mais singulares, inimitável e de difícil definição em razão dos vários procedimentos que ele toma para cada filme, planejando para cada trabalho um desenho de cena, um enquadramento e uma abordagem específicos, em obras menos ou mais narrativas. Ele tinha, também, um processo criativo que desprezava as regras da produção cinematográfica, fazendo o seu próprio tempo de planejamento e preparação para um longa, uma dor de cabeça para os produtores - o que muito explica as várias interrupções em sua filmografia. Apesar de ele enxergar os artistas como iluminados, até sagrados, os atores sofriam o diabo em suas mãos, numa espécie de lavagem cerebral que os fazia assumir completamente a persona do personagem. Para a atriz Maria Falconetti, que encarna a santa guerreira de O Martírio de Joana D'Arc , esse foi um divisou de águas. Perturbada com

Ferreira Gullar

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Traduzir-se Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta. Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Nascido em São Luís, Maranhão, em 10 de setembro de 1930 e registrado  como  José Ribamar Ferreira, Ferreira Gullar fez sua estreia na poesia em 1949 com um livro publicado com seus próprios recursos e apoio do Centro Cultural Gonçalves Dias:  Um Pouco Acima do Chão . Note: o nascente poeta contava então com dezenove anos. Mais tarde, já formado poeta, escolheria deixar de fora este título da sua obra completa. É notável a recusa. A poesia era profundamente marcada pelas influências do simbolismo, algo dissonante da poética praticada mais tarde. Assim, os feitos de Gullar no Maranhão foram breves, mesmo que toda sua formação tenha se passado

José Saramago escreve sobre Chico Buarque

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José Saramago e Chico Buarque, amigos desde sempre. Foto: Arquivo Pessoal de Chico Buarque. O texto abaixo é a transcrição de um datiloscrito de José Saramago sobre o romance  Budapeste (Companhia das Letras, 2003), de Chico Buarque. Vale ressaltar que a amizade entre os dois artistas é de longa data. Num tempo, Chico, José e Sebastião Salgado uniram-se num projeto fabuloso (devo comentar outra vez por aqui) que combinava música, literatura e fotografia por uma causa social em favor dos brasileiros: José escreveu Levantado do chão , Chico compôs canções a partir da obra (ele e Milton Nascimento) e Sebastião compôs uma exposição belíssima sobre a luta dos trabalhadores rurais sem-terra no Brasil. Bom, mas vamos ao texto do mestre português? O datiloscrito está abaixo e a transcrição logo a seguir: Arquivo Pessoal de Chico Buarque. Haverá universos paralelos? Perante as variadas “provas” apresentadas ao tribunal da opinião pública pelos autores que se dedicam à ficção ci

Intervalos

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Bem – aos leitores ou transeuntes deste blogue deve de surgir uma indagação acerca desta coluna chamar-se de Intervalo. Explico: por enquanto, ela me intervém em determinados momentos de postagens do blogue, tais como: não achei nada de interessante para postar hoje (tome intervalo com alguma coisa que acho interessante, mas que não caberia num blogue em que se dedica a discutir literatura e outras formas de arte), ou quando aconteceu algum fato qualquer do meio literário ou de qualquer outro meio (e tome intervalo!), ou ainda porque tenho de viajar e não estive a preparar os posts antes da viagem... Enfim, esta coluna Intervalo é mais que o sentido lato da palavra expressa. É também uma espécie de intervalar do próprio tempo de quem aqui escreve ou ainda o abrir de valas entre uma post e outra, dada a importância do assunto. Essa explicação serve mais aos transeuntes do que aos leitores propriamente ditos deste espaço. Estes últimos, certamente, já devem ter entendido o sentido a qu

Reflexões sobre o romance moderno

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Por Pedro Fernandes (Notas de leitura a partir de "Reflexões sobre o romance moderno", de Anatol Rosenfeld) Anatol Rosenfeld em seu texto Reflexões sobre o romance moderno parte de três hipóteses a fim de refletir sobre o caudal de “transformações” porque passa o romance moderno. A primeira delas, e é a principal sobre a qual se fundamenta para constituição deste seu texto, é a de que em cada fase histórica existe um Zeitgeist , isto é, espécie de espírito unificador que perpassa todas as manifestações culturais e de pensamento. Evidentemente que isso se presentifica nos espaços nacionais, mas até mesmo em culturas de constituição tão complexa como a nossa, a Ocidental, admite Rosenfeld, com alta especialização e autonomia das várias esferas – tais como as das ciências, as das artes, as da filosofia – é possível traçar um fio que de interdependência que as unifica. A segunda hipótese é a de que o campo das artes se marca por um fenômeno a que ele chama de “desr

Psicose, de Alfred Hitchcock

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Suspense é tão bem engendrado que, mesmo que se conheça a identidade do assassino, o medo continua a funcionar Até quem nunca assistiu Psicose conhece a cena em que Marion (Janet Leigh) é assassinada no chuveiro. Cada detalhe dessa sequência foi explorado à exaustão em outros filmes, programas de televisão, desenhos animados, fotografias: a expressão horrorizada de Leigh gritando, a sombra da faca na parece, subindo e descendo, sangue espirrando, a trilha sonora assustadora de Bernard Herrmann. A histórica passagem revela muito do perfeccionismo de Alfred Hitchcock. Para filmá-la foi preciso uma semana inteira, com câmeras em 70 ângulos diferentes, em um total de mais de 90 rolos utilizados. Originalmente, não haveria som nela, porém Hermann apareceu no estúdio com  uma composição tão adequada que o cineasta sentiu-se obrigado a mudar de ideia. Mas não foi só a sequência do chuveiro que fez deste o trabalho mais conhecido de Hitchcock. Psicose traz também Norman Bates,

Por que ler os clássicos: os livros de Italo Calvino (Parte 3)

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Desde maio que iniciamos um passeio pelas leituras preferidas de Italo Calvino (ver o fim desta postagem). Acompanha-nos nesse itinerário o já clássico conjunto de ensaios Por que ler os clássicos . Com esta terceira entrada finalizamos esse roteiro. O livro, é preciso dizer, não é uma lista de leitura tal como transformamos ao longo destas três postagens; são críticas escritas sobre determinada obra ou autor e, justamente porque escreveu sobre, julgamos ser estas as leituras mais marcantes na formação literária do escritor, afinal, supomos que, se nem sempre falamos sobre aquilo que mais diz de nós, em grande parte é o raciocínio contrário aquilo que prevalece. No final desse itinerário é válido fazer outras ressalvas, como o fato de termos anotado os títulos que o Italo Calvino se refere diretamente. Como dizíamos, há alguns ensaios em Por que ler o clássicos , cuja referência é dada a um autor e não sobre uma obra específica. É o caso de Giammaria Ortes, Mark Twain e Ray

Uma lista de filmes que José Saramago viu entre os anos 1970 e 1980

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O próprio José Saramago viria, mais tarde, fazer algumas peças para o cinema. Aqui, em cena do documentário Janela da Alma  (2001) É sabido da exposição organizada por Fernando Gómez Aguilera sobre a vida e a obra de José Saramago, apresentada em Lanzarote e em Lisboa. Junto com a exposição na capital portuguesa, a editorial Caminho, que tem publicado a obra do Prêmio Nobel da Literatura, trouxe a lume um catálogo preparado pelo curador espanhol. Uma das curiosidades que este texto nos apresenta é uma lista de filmes - recordando sobre a paixão de Saramago pelo cinema - que o escritor português viu entre os anos de 1970 e 1980. A lista é recuperada das anotações que constam, segundo informa Gómez Aguilera, de duas agendas pessoais do autor de Ensaio sobre a cegueira . 1976 La guerre est finie , de Alain Resnais Dia de cão , de Sydney Lument A flauta mágica , de   Ingmar Bergman 1977 O intruso , de Luchino Visconti Le mariage de Figaro , de Jean Meyer Casan