Fitzcarraldo, de Werner Herzog




Construção de teatro de ópera na selva é a metáfora do projeto civilizatório que se frima sobre a natureza

Fitzcarraldo é um filme de um sonho. A história do imigrante irlandês que anseia ficar milionário com a extração da borracha para construir um imenso teatro de ópera no coração da floresta amazônica, a ser inaugurada pelo mítico tenor Enrico Caruso, tem muito da obsessão do diretor alemão Werner Herzog. Ele almejava rodar o longa no meio da selva, com uma equipe e aparatos gigantescos. Ninguém acreditava que seria possível concluir o filme. Herzog não só conseguiu terminá-lo como Fitzcarraldo tornou seu trabalho mais aplaudido, vencedor do prêmio de Direção no Festival de Cannes, em 1982 (também foi indicado à Palma de Ouro) e síntese de uma carreira que se mistura entre ficção e documentário. A produção problemática foi tão falada quanto o próprio resultado final. Jason Robords faria o papel-título, mas ficou doente na metade das filmagens. Para seu lugar foi escalado Klaus Kinski, antigo colaborador de Herzog, e as gravações tiveram de ser recomeçadas no período mais chuvoso do ano.

Kinski era conhecido pelo temperamento complicado. Comentava-se à época, que alguns índios locais teriam se oferecido ao diretor para matar Kinski, a fim de facilitar a convivência diária. O cantor Mick Jagger foi outro que abandonou a produção, com a desculpa de um show dos Rolling Stones. Nunca se desfizeram totalmente os boatos de que várias pessoas foram assassinadas por indígenas e que prostitutas eram mantidas no set para aliviar a tensão da equipe. Também participaram do filme a atriz italiana Claudia Cardinale, como a noiva de Fitzcarraldo, e os brasileiros José Lewgoy (substituto de Jagger), Milton Nascimento e Grande Otelo.

A personalidade obsessiva e a visão grandiosa de Werner Herzog tampouco colaborava para deixar as coisas mais facéis. O cineasta se recusava a utilizar efeitos especiais. Na cena em que um gigantesco barco a vapor é arrastado pela selva amazônica, por exemplo, Herzog fez questão de um barco verdadeiro, de mais de cem toneladas, em vez de usar uma miniatura. Não foi à toa que, quando o diretor finalmente terminou de gravar Fitzcarraldo, ele afirmou que não deveria estar fazendo filmes: "Deveria estar num asilo de lunáticos".

* Revista Bravo!, 2007, p. 41


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