Monteiro Lobato


Por Pedro Fernandes




Monteiro Lobato não é um autor apenas de publicações infanto-juvenis como, infelizmente o mercado editorial o reduziu. Como uma das figuras que mais apostaram no livro como aparelho de renovação cultural, intelectual e frente à ignorância, é bem verdade que ele explorou (e bem!) a base necessária para a formação de uma geração de leitores. E isso tem muita importância, certamente. Só me pergunto é se, na atual conjuntura, com tantos meios concorrentes com os livros de papel, como se portaria o escritor? É uma pergunta que vem de outra curiosidade futurista: como se comportaria Fernando Pessoa, um dos criadores da revista Orpheu, marca singular no modernismo em Portugal, nos dias de hoje.

Enfim, não sabemos. Podemos supor que Lobato travasse uma luta no meio virtual, mas prevemos também que pudesse combatê-lo. Que os meios virtuais podem significar como instrumentos fundamentais à educação leitora, podem. Mas, o livro impresso ainda é o veículo que melhor proporciona o desenvolvimento de toda a rede de capacidades significativas ao processo da leitura. Já Orpheu causaria mais barulho se fosse on-line e é possível que Pessoa, sempre à frente do seu tempo, preferisse o espaço virtual para viralizar o espírito modernista.

Que Monteiro Lobato não foi um autor apenas de títulos infanto-juvenis só vim saber no curso de Graduação em Letras por através da professora Isabel - uma das principais culpadas de que eu encontrasse no curso o queria, quando tantas vezes pensei em desistir. Foi a leitura dos contos “Cidades mortas” e “A vida em Oblivion”, ambos do livro Cidades mortas, que me permitiu isso. Por voz temática esse livro bem que poderia ser lido - sem maiores danos - junto com aquele de Ítalo Calvino, As cidades invisíveis. Se estas são cidades circunscritas no universo fabular, as de Monteiro Lobato não se perdem - “Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas dantes”.

“Nos soberbos casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os móveis empoeirados ainda guardam o esplendor da época com seus candelabros azinhavrados, cujas dezoito velas não se acendem e tudo cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da cidade morta”. Largado numa praça, encontra-se o antigo teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os ricos mudaram-se para o Rio, São Paulo e Europa e os que ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única ligação com o mundo se resume no “cordão umbilical do correio”. Tudo contribui para o aspecto de abandono, pois as cidades não têm som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda restam – “o sino, o chilreio das andorinhas na torre da igreja, o rechino dos carros de boi, o cincerro das tropas raras, o taralhar das baitacas que em bando rumoroso cruzam e recruzam o céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo também dá sinais de pouca vitalidade” - compreende a Maria Jerusa Rodrigues Marinho.

Monteiro Lobato é hoje lembrado no dia 18 de abril como Dia Nacional do Livro Infantil; uma homenagem que é justa, mas deve sempre ser lembrada, com a promoção da leitura para as crianças - o legado necessário deixado pelo escritor. Foi nessa data, em 1882, que ele nasceu em Taubaté, interior de São Paulo. Seus primeiros textos são os contos publicados em jornais e revistas, sendo que, posteriormente, reuniu uma série deles em Urupês, outra coletânea que junto com Cidades mortas dão a tônica de outra vertente da obra prima do escritor que se dedicou ainda a escrita da crônica e de um único romance, O presidente negro, que não passou longe à popularidade que alcançou com obras como Reinações de Narizinho, Caçadas de Pedrinho e O pica-pau amarelo.

Antes de se dedicar ao negócio do livro (além de escrever seu trabalho foi também de editar e vender livros), Lobato, formado em Direito, atuou como promotor público. A mudança de vida se dá quando recebe do avô como herança uma fazenda. Só cuidar do patrimônio lhe permitia o tempo livro para a criação. Nesse exercício de dedicação à escrita encontrou empecilhos: na época os livros publicados no Brasil eram editados em Paris ou em Lisboa. A audácia do escritor terá sido perceber a necessidade de criação de um mercado editorial genuinamente brasileiro; o esforço não findou apenas na edição e venda de livros, mas na tradução de obras e uma renovação na forma com os livros chegavam aos leitores.

Nessa mesma época, o país ainda encantado em servir de espaço de exploração para outros países, queria que o Petróleo recém-descoberto fosse parar em mãos de empreiteiras estrangeiras para sua exploração e comercialização. Monteiro Lobato, pela fluência que tinha entre os trâmites políticos, discordou da ideia. Nacionalista ao extremo encabeçou a luta para que o petróleo fosse explorado apenas por empresas brasileiras; campanha que ficou conhecida como “O petróleo é nosso” e que serviu de inspiração para textos como O escândalo do petróleo. Opinião que, diga-se, não era de se estranhar vindo de alguém que priorizou que nos livrássemos do espírito de colonizados. É célebre uma passagem de uma carta escrita em 1904 a Godofredo Rangel: “Nada de imitar seja lá quem for. Temos de ser nós mesmos. Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir.” O espírito revolucionário de Monteiro Lobato levou a ser personagem de uma trama policial urdidamente pensada pela Ditadura Militar e o escritor foi para na prisão em 1941.

O escritor, além da interessado na construção nacional, nunca deixou de confessar-se um influenciado por aquilo que lhe vinha de fora, desde o clássico (como a leitura dos fabulistas Esopo e La Fontaine ou de autores como Lewis Carrol, Carlo Collodi, J. M. Barrie ou L. Franck Baum) ao moderno (como os desenhos em quadrinho que logo ganharam as telas da TV em animação como Popeye e o Gato Félix). Essa admiração pela forma moderna certamente responde um tanto a minha curiosidade apontando, agora, noutra direção: Lobato, nos tempos virtuais, também seria tal como um Fernando Pessoa. Utilizaria essas ferramentas para educação literária dos brasileiros.

Deixo os leitores com outra frase muito sincera de alguém que sendo revolucionário em tudo o que fez foi, antes de tudo, um sonhador: “Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira - mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum”.


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