Gore Vidal



Gore Vidal é um dos nomes mais profícuos da atual literatura estadunidense. Poderá ser engano de principiante, mas depois dele o outro nome que me vem a cabeça é somente o do Jonathan Franzen, autor do bem aceito Liberdade e que está de volta ao cenário brasileiro com Tremor e Como ficar sozinho. Pode ser que acontecimentos trágicos vindoura, como a recente morte de Vidal coloque-me a par de alguns outros importantes nomes daquela literatura. Claro que lembro aqui de nomes como John dos Passos, Gertrude Stein, Steinbeck, Truman Capote, Nabokov, Saul Bellow, Henry Miller, J. D. Salinger, Norman Mailer, John Updike, Philip Roth, entre outros, que sobressaem da extensa lista de maus escritores que as letras americanas gestaram e ainda gestam para o mundo inteiro.

Gore Vidal é um escritor dos mais versáteis. Conhecido por seus romances históricos, foi também dramaturgo e ensaísta e claro, um dos mais ferrenhos críticos do imperialismo estadunidense: “O maior prazer que tive quando comecei a fazer dinheiro não foi comprar iates ou carros, mas ver que era possível ter meus rascunhos digitados e impressos sempre que desejasse” – declarou certa vez. Também crítico assaz do atual estágio porque passam as democracias neoliberais: “Democracia é o direito de escolher entre o Analgésico A e o Analgésico B. Mas ambos são aspirinas.” – declarou noutro momento.



Nasceu em 1925, no hospital da Academia Militar de West Point, uma vez que seu pai era piloto da aeronáutica na época. Passou sua infância em Washington e sempre esteve próximo das andanças do poder político no seu país: o avô materno foi senador por Oklahoma, o pai, depois de piloto foi nomeado chefe do Departamento de Comércio Aéreo no governo de Franklin Roosevelt. Teve também sua ambição política, como o fato de ter se candidatado duas vezes ao Congresso e, não conseguindo vencer, foi canalizando seus interesses para sua obra e para sua atuação como cidadão.


Gore Vidal aos 21 anos na Guatemala. Depois do sua estadia no país, publicou seu primeiro romance.

Trocou uma promissora carreira se tivesse ido estudar em Havard para, autodidata, seguir a carreira como escritor. E publicou seu primeiro romance, Williwaw, em 1946, trabalho escrito ainda quando servia nas Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial. Interessado por temas tabus e polêmicos para a sociedade estadunidense, um dos romances de maior polêmica em seu país terá sido A cidade e o pilar, concluído logo depois de sua estadia na Guatemala. O romance vai ao tema do homossexualismo, tratado pelos Estados Unidos de então como crime ou doença. O próprio Vidal assumidamente gay conduzirá sua atuação política também em nome dos direitos das minorias: “A homossexualidade é tão natural quanto a heterossexualidade. Repare que eu uso palavra natural e não a normal” – disse numa entrevista para a Esquire pouco antes da rebelião gay de 1969, em Nova Iorque. Desde os anos 1950, viveu com o publicitário Howard Austen, quando o perdeu para a morte, em 2003.

A publicação de A cidade e o pilar dará início a um silenciamento dos jornais em torno de sua obra e o escritor passou a sofrer perseguições por parte da ala conservadora liderada pelo então senador McCarthy. Não impediu o sucesso do romance que foi um dos mais vendidos numa lista encabeçada por 1984, de George Orwell e Os nus e os mortos, de Norman Mailer. O silêncio terá se mantido por longa data, ainda mais quando em 1950, o escritor reaparece com um romance ácido em torno das posturas belicistas adotadas por seu país. O período depois de A cidade o pilar será um dos mais duros para o escritor que, para manter seu padrão de vida, passará a escrever romances policiais sob encomenda, jornais, peças para TV e para Broadway, roteiros para o cinema, até que, no início dos anos 1960, morando em Roma, ele retoma com o romance e sua predileção pela história. A série iniciada é responsável pela revitalização de um gênero já em desgaste, o romance histórico. É desse período Juliano, Criação, Washington D.C., Burr, 1876,  Império, Hollywood e A era dourada.

Em 2004 venceu o prestigiado National Book Award com o livro de ensaios Estados Unidos Ensaios 1952-1992, livro que reúne 140 textos sobre cinema, política, história, literatura e sobra sua vida. Do gênero publicou outros textos como A era dourada e O último império Ensaios 1992-2000. Os ensaios aí reunidos reconhece nos Estados Unidos “o último grande poder global numa era de crescente irrelevância do Estado-nação” forjado pelo capitalismo moderno, tese desenvolvida a partir de Edmund Wilson. Além dos citados, Vidal publicou cerca de uma dezena de títulos do gênero. Destaque por aqui são ensaios reunidos pela Companhia das Letras nas coletâneas De fato e de ficção e Como faço o que faço e talvez inclusive o porquê. Também convém citar Palimpsesto, texto considerado com memorialista.

Mesmo não tendo tido nenhum contato com a obra vidalina, por esse breve levantamento é possível observar que foi um escritor que deu vazão ao tipo literário de por em xeque as representações fixas, em detrimento da revisão das formas de ver e pensar o lugar eleito por todos como ponto de solidez, a nação. E esse esforço terá sido suficiente.

 

Comentários

monica peres disse…
passou um documentário ótimo ontem na TV Cultura! pena que não assisti inteiro...
ele é de lucidez ímpar!
= )

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