Júlio Verne

Júlio Verne por Félix Nadar (detalhe)

Poderão acusar Júlio Verne por muita coisa, menos por ser um escritor desprovido de imaginação. Talvez seja este aspecto – o da imaginação – o convite inconsciente para entrada numa obra das mais lidas no mundo. Ainda por esse caráter imaginativo a literatura de Verne, quase sempre associada ao plano infanto-juvenil, foi e é porta de entrada ao universo da leitura de muita gente. Se do lado francês, autores como Proust que registra em Em busca do tempo perdido um dos romances do autor de Viagem ao centro da terra, do lado brasileiro Machado de Assis, entre outros, terão dado seus palpites favoráveis sobre a literatura verniana e sua influência na formação leitora.

Precursor da ficção científica, Verne ainda ‘previu’ a partir dos avanços científicos de seu tempo muitas das invenções humanas, como o helicóptero, as armas de destruição em massa, as naves espaciais, o submarino, os grandes transatlânticos... E os grandes acontecimentos históricos e descobrimentos como a viagem à Lua... Terá sido dele de onde partiu a expressão “viagens imaginárias” e uma coisa é certa: sem a imaginação criativa de Verne talvez o que fosse produzido até hoje em termos de ficção científica não teria o formato que tem. Além disso, a literatura de Verne já serviu de inspiração para tantas produções artísticas variadas seja as que o leitor imaginar: cinema, teatro, artes plásticas, música, escultura, arquitetura, dança e, até algumas ações fora do plano das artes, como por exemplo, a primeira volta dada ao mundo num balão. O milionário suíço Bertrand Piccard com o auxílio do inglês Brian Jones inspiraram-se em A volta ao mundo em 80 dias. O livro conta a história de homem rico e solitário que se mete numa aposta cuja ação é de percorrer o mundo em 80 dias, feito que consegue com ajuda de seu criado. E quantas outras formas de dar a volta ao mundo já terão se cumprido desde então?

A relação de Júlio Verne com o público infanto-juvenil, entretanto, não nasceu tardiamente. Já em 1863, quando havia lançado seu primeiro romance, Cinco semanas em balão, e depois de ter concluído o curso de Direito, o escritor foi convidado pelo poderoso editor Hetzel a escrever para uma coleção de livros para a juventude em que seriam os conhecimentos de geografia e ciências transmitidos pela ficção. O imediato sucesso da coleção levou Verne a produzir cerca de três romances por ano e foi aí que se iniciou a série Viagens Extraordinárias. Tem início aí também a desvalorização pela sua produção literária. A produção meramente comercial de seu trabalho terá deixado o escritor na berlinda pelos estudiosos da literatura e isso terá afetado diretamente o próprio Verne que não raras vezes se expôs como um desgostoso por nunca ter sido reconhecido como elemento do cânone francês.

Este primeiro livro do escritor francês tem suas influências do texto de Edgar Allan Poe, “A balela do balão”, obra com a qual Verne teve maior contato e interesse desde as traduções para o seu idioma por Baudelaire. Sobre a obra de Poe, ele dedicará um trabalho monográfico redigido em 1864; nele, Verne concorda que o escritor estadunidense criou um novo gênero literário único e incorruptível. Mas é em carta dirigida ao pai, que Verne confessa o feitio do seu Cinco semanas em um balão – Eu não penso embarcar, no meu próprio balão, um pato nem mesmo um peru que será um peru da farsa, mas seres humanos. Este aeróstato deverá, portanto, ser provido de um mecanismo irrepreensível.” Essa observação feita por Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, levará a conclusão de que “Verne procurou associar a estranheza ao rigor científico. Na realidade, Poe constituiu o sinal que permitiu a Júlio Verne encontrar o seu próprio gênero literário totalmente pessoal, embora outras influências tenham estimulado o aparecimento da serie Voyages extraordinaires, um deles foi sem dúvida o escritor Daniel Defoe através de sua obra Robinson Crusoé.”

Nascido em Nantes, zona portuária da França, onde passou maior parte de sua infância, o desenvolvimento da imaginação de Verne sobre as viagens distantes e marítimas podem muito bem ter se dado aí. Foi em Paris, quando já na Faculdade de Direito que ele começou se interessar pelas artes, o teatro, principalmente. Sem nunca receber o apoio dos pais que traçaram ao jovem a carreira da advocacia, os rendimentos financeiros de Vernes sofreram suas primeiras baixas, quando foi descoberto envolvido na escrita de alguns livretos de operetas e sua inserção no universo artístico. Desde então, o aspirante a escritor foi trabalhar como corretor a título de busca certa estabilidade financeira. A desgraça do rapaz – dirá a família – se completa quando por essa época conhece uma viúva já mãe de duas filhas e logo se casa com ela e quando se aproxima de nomes como Alexandre Dumas e Victor Hugo, dois dos folhetinistas mais conceituados de Paris. Foi desse conhecimento que terá Verne se aproximado dos propósitos de Hetzel.

Deixou uma extensa obra: mais de 100 livros, alguns publicados postumamente. É um dos escritores mais traduzidos no mundo e cerca de trinta e três é o número de vezes que teve alguma obra sua levada ao cinema. Uma delas, Viagem a lua, terá servido em 1902, ao Georges Méliès na concepção do primeiro filme cujo interesse, diferente dos irmãos Lumière, estava na fantasia. Sem esse ato, muito provavelmente estaríamos um passo atrás no que se produz hoje em cinema como entretenimento.

A seguir, preparamos um fac-símile de um dos textos precursores da literatura verniana. O conto “Um drama nos ares” publicado inicialmente numa edição portuguesa – Antologia verniana – que compila crônicas científicas, estudos literários, declarações, discursos e alguns contos inéditos do escritor francês. A reunião de textos foi editada e organizada por Frederico Jácome para um e-book. O texto foi escrito em 1851, na juventude de Verne, doze anos antes do lançamento de seu primeiro romance, Cinco semanas em balão. O conto, entretanto, só teria a publicação 1874 dentro da coleção de contos Le Docteur Ox.







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