O grande Gatsby e a história de uma capa

1ª edição de O grande Gatsby - a capa que se tornou ícone
- mais até que o próprio romance - levou bom tempo para ter o resultado final.


Levado ao cinema cinco vezes (leia aqui sobre as produções) o livro de F. Scott Fitzgerald que projetou o autor a ser reconhecido por sua literatura ao redor mundo chega em 2013 com bem vividos 83 anos inteirados no último dia 10 quando foi publicado pela vez em Nova York.

Tudo começa quando Nick Carraway, um jovem comerciante da região Centro Oeste dos Estados Unidos, torna-se amigo de seu vizinho, o milionário Jay Gatsby, conhecido pelas badaladas festas na sua mansão em Long Island. Símbolo do sonho americano, o status milionário de Gatsby desperta especulações: nada mais natural num período em que todos estão movidos pela mesma sede de chegar aonde ele chegou e mais ainda que, em torno de fortunas como sua fortuna, conseguida assim como obra do acaso, sempre se formam confabulações sobre como conseguiu alcançar o feito da multiplicação dos dólares. Um dos convidados por Gatsby para uma de suas festas, Nick pertence ao grupo das confabulações: lhe intriga que nenhum dos convidados saiba ao certo sobre o passado do anfitrião.

A história de intrigas que se forma a partir daí e os elementos que vão sendo introduzidos até esclarecer a imagem da figura principal do romance é conhecida de todos. Mas além do enredo, a primeira edição, a de 1925, ficou conhecida também por outro elemento: a arte da capa produzida por Francis Cugat. Como veremos adiante, há uma relação muito próxima entre essa imagem e a narrativa de Fitzgerald. Antes um parêntesis sobre o criador dessa imagem: apesar de ter sido produtor de uma arte das mais conhecidas na literatura estadunidense pouco se sabe de Cugat: sabe-se que ele é espanhol, mas cresceu em Cuba, era irmão do líder da orquestra de Xavier Cugat, trabalhou como designer em Hollywood, mas é só. Não se tem notícias, por exemplo, de nenhum outro trabalho do gênero para capa de livros. Além da riqueza enigmática da imagem que se confunde com o enigma Gatsby, a capa dessa edição é famosa, sobretudo, porque dá ao leitor uma dimensão concreta da personagem Daisy – o enigma, ou a garota para qual o Gatsby dedica-lhe todas as festas na sua mansão.

De acordo com Charles Scribner III, Cugat criou o projeto desta capa ainda quando Fitzgerald estava escrevendo o romance. Ele conta que, quando o escritor viu o rosto sem corpo, teria gostado tanto da imagem que não hesitou em transformar em determinadas passagens das mais pungentes na narrativa. Os olhos hipnotizantes de uma garota, marcados pela tristeza expressa num céu noturno e por uma lágrima luminescente verde, os lábios delineados por ruge vermelho, completam um conjunto harmonioso que abarca o um cenário urbano profundamente iluminado. Fitzgerald descreve esse olhar no texto. Scribner aponta na narração de Nick quando fala da imagem de Daisy ao fim do capítulo quatro – “girl whose disembodied face floated along the dark cornices and blinding signs.” como a passagem que comprovaria sua constatação. 

Além das sondagens em torno da relação entre a arte da capa e o romance, a descoberta de uma série de correspondências entre autor e editor reacenderia a discussão e comprovaria as suspeitas. Scribner relembra uma série de cartas: numa, de 1º de abril de 1924, Perkins, o editor original de O grande Gatsby, pergunta se Fitzgerald já se decidiu pelo título final para o seu novo romance em andamento para que seja possível criar uma arte definitiva para a capa ao que escritor responde pensar em Among the Ash Heaps and Millionaires (algo tipo Entre Heaps Ash e milionários). Seis dias depois, Perkins escreveu dizendo não gostar do título: “A fraqueza está nas palavras ‘Heaps Ash’ que não me parecem ser uma expressão concreta o suficiente para definir e dá conta de uma ideia.”

Os dois marcam uma reunião para falar sobre e novamente, dez dias depois, Fitzgerald envia outra carta dizendo que planeja terminar o romance ainda em junho, mas que pode se demorar dez vezes mais esse tempo, ao que o editor responde insistindo num título, antes disso, para preparar a capa. É quando Scott e Zelda decidem, em 15 de abril, irem para a Europa. A partir de então as correspondências sobre o assunto de um título ou de uma arte para capa são suspensas, sendo retomadas a partir de agosto depois que o escritor envia uma longa carta da França dizendo ter findado o romance e que ele e Zelda deram início a uma revisão cuidadosa do trabalho. É nessa carta que o assunto da capa volta a ser tocado com o pedido de Fitzgerald para não deixar que ninguém use “essa arte”. Esse pedido é o que tem reforçado as especulações em torno da ideia de que o escritor teria tido conhecimento, antes do romance está pronto, do trabalho de Cugat.

As suspeitas se confirmariam por uma carta escrita em julho por Perkins dando contas do livro e dos preparativos para uma possível data de publicação: “Suponho que ele estará aqui a um mês ou seis semanas... Em todo caso, seu livro não será publicado agora e sim pelo inverno uma vez que por essa época não teremos nenhum outro livro de ficção que tenha uma grande repercussão por aqui.” A partir dessas observações é possível que Fitzgerald tenha feito (a correta) inferência de que seu romance ao ter sua publicação adiada possa ser caso de que Cugat venda seu trabalho para outro livro ou mesmo para uma revista qualquer.

Em setembro de 1924, outra carta de Perkins tranquiliza Fitzgerald dizendo não haver o menor risco de “aquele desenho” ser dado a outra pessoa senão a “você”. Em outubro, o escritor escreve dizendo que finalmente está enviando o The Great Gatsby e dá como título alternativo Gold-hatted Gatsby; correspondência respondida pelo editor dizendo que decidiu manter o título que ele já escolhera Trimalchio in West Egg. Os dois ainda discutiriam por largo tempo a respeito do nome para o novo livro e o título primeiro, como é conhecido de nós todos, ficou, ainda que o próprio Fitzgerald, assim como Perkins, não tenha estado nunca satisfeito com ele.

Se o título deu certo ou não, o fato é a capa do livro feita por Cugat é hoje a mais procurada nos leilões, mais até que uma primeira edição do romance propriamente dito. E a crítica tem concordado num ponto: mesmo que outros designers tenham trabalhado numa nova capa (e foram muitas, basta ver esta galeria de imagens do The New YorkTimes) nenhuma delas alcançou a fama que a produzida por Cugat. Agora mesmo no Brasil, três capas estão sendo preparadas: uma pela Companhia das Letras, outra pela Geração Editorial e outra mais pela Editora LeYa que já apresentou semana passada a nova proposta (basta ver a galeria de capas no nosso Tumblr).

Uma das edições com capa original de Cugat, que se tornaram objetos raros, está atualmente na Universidade da Carolina do Sul, acompanhada de outros itens de pertenceram a Scott, como sua cópia de Ulysses, de James Joyce.

A seguir, deixamos um conjunto de imagens que marcam as diversas fases da confecção da arte final feita por Cugat mais um fac-símile do manuscrito da primeira página do 1º capítulo original de O grande Gatsby com a letra de F Scott Fitzgerald.





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