F. Scott Fitzgerald, um Pigmalião em Hollywood

F. Scott Fitzgerald ao lado de Sheilah Graham

F. Scott Fitzgerald morreu de um ataque cardíaco no apartamento de Sheilah Graham em Hollywood – ela foi a mulher com quem o escritor dividiu os últimos anos de sua vida; tempo que ela apresenta em College of one, publicado recentemente pela Melville House Publishing e ainda sem data de chegada ao Brasil.

O livro é apresentado pela filha de Graham como um texto em que ela, então colunista de fofoca, recolhe as recordações de como o autor de O grande Gatsby se converteu não apenas em seu amante e companheiro, mas também em seu professor. Um Pigmali ão que lhe ensinou a transitar além das festas de Beverly Hills pela literatura de nomes como Shakespeare, Keats, T. S. Eliot, Tolstói, Dickens ou Flaubert. Para Graham, Fitzgerald era sim um mestre nato, um homem que se sentia bem quando estava instruindo e compartilhando seus conhecimentos sobre literatura, história, filosofia e música.

A chegada desta edição oferece aos interessados na biografia do escritor nova luz sobre uma das fases mais complicadas de sua vida: os anos em que Fitzgerald esteve arruinado e lutando contra sua dependência do álcool. Em Graham, vê-se que ele depositava não apenas uma força para sair da crise que se instalara, como adquiria um sentido quando tudo parecia já ter chegado ao limite.

Graham desfrutou também o estranho privilégio de ser sua única aluna a ter aulas particulares em que Fitzgerald a incentivava à escrita, à leitura e a discernir entre os seus livros os que melhor se aproximavam da condição sublime da arte.

Prática que parecia comum ao escritor, a elaboração de listas com autores, temas e formas literárias diversas; recentemente, por exemplo, divulgamos aqui uma lista de leitura produzida por ele para Dorothy Richardson, uma das acompanhantes num dos últimos internamentos do escritor. Presenteou Graham com vários livros seus com anotações e sublinhados. Juntos discutiam as obras, embrenhavam-se nos versos de Eliot ou mesmo encenavam de um para o outro Os irmãos Karamazov, um dos romances favoritos de Fitzgerald.

Seus gostos e desgostos – “Me surpreendeu ao dizer que Byron sempre lhe pareceu um poeta menor”, recorda ela. “Sua melhor obra, dizia, era o romance em verso Don Juan – e, sobretudo suas leituras imprescindíveis eram, além dos romances de Dostoiévski e Tolstói, Feira das vaidades, de Thackeray, Homem e super-homem, de Bernard Shaw, Vermelho e negro, de Stendhal, Casa desolada, de Charles Dickens, Sete homens, de Max Beerbohm (título até onde pesquisamos nunca publicado no Brasil) e Casa de bonecas, de Ibsen.

Graham lembra ainda, ao contrário do que alguns biógrafos têm afirmado, que Fitzgerald nunca abandonou sua primeira família. Durante os anos em que os viveram juntos, o escritor sempre pagava como podia as despesas com o manicômio de Zelda e os estudos de sua filha e em nenhum momento afastou-se totalmente da literatura. Nas crises de escrita, Fitzgerald nunca deixou a leitura – gesto que terá influenciado diretamente o próprio comportamento de Graham, que mesmo não tendo se dedicado à escrita literária, como parecia ser de bom grado do companheiro, também se dedicou longamente à leitura.

Também nunca se lamentou exacerbadamente de suas crises ou fracassos mesmo quando se deparou com frases em que o chamavam de “pobre” como a colocada por uma personagem de As neves de Kilimanjaro, de Ernest Hemingway. É sabido da conturbada relação entre os dois escritores – já comentamos brevemente aqui.

No final de 1940, Fitzgerald sofreu um sério ataque cardíaco e seu médico aconselhou-o a evitar esforços. Muito cuidadoso ele seguiu as recomendações médicas, mas mesmo assim, no dia 21 de dezembro daquele ano, teve outro ataque. Não resistiu até a chegada do socorro. O escritor morreu ao lado de Sheilah e depois do funeral, cerimonial breve e discreto, ela decidiu deixar Hollywood e o fastigioso mundo de celebridades para ser correspondente de guerra na Inglaterra.

*texto escrito a partir de "Un pigmalión en Hollywood", de Elsa Fernandéz-Santos no El País.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #576

O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk

Boletim Letras 360º #570

Boletim Letras 360º #575

Dalton por Dalton

Boletim Letras 360º #574