Três possibilidades sobre a Literatura Gay

Por Luisgé Martín

Francisco Hurtz


Em 1897, Oscar Wilde escreveu na prisão de Reading uma extensa carta para seu amor Lord Alfred Douglas, Bosie, reconstruindo a atormentada relação que haviam mantido e que findou com o célebre julgamento no qual o escritor foi condenado a trabalhos forçados por “conduta indecente e sodomia”. Essa carta, publicada em partes pelos herdeiros pela primeira vez em 1905 com o título de De profundis, constitui de algum modo a pedra fundamental da literatura gay moderna, essa literatura que fala sobre “o amor que não se atreve a dizer seu nome”, como proclamava um verso do próprio Bosie.

Esse amor continuou sem atrever-se a dizer seu nome durante muito tempo. Thomas Mann ocultou o amor carnal entre Gustav von Aschenbach por Tadzio através de uma sublimação estética e espiritual. Konstantinos Kaváfis apenas permitiu que circulassem alguns de seus poemas em vida. E. M. Forster terminou de escrever Maurice, em 1914, mas não deixou publicá-lo se não depois de sua morte, em 1971. Marcel Proust escondeu muitas de suas personagens gays em Em busca do tempo perdido. E Lorca leu em reuniões privadas os Sonetos do amor obscuro, mas nunca se atreveu a publicá-los.

Em 1929, Marguerite Yourcenar publicou um romance que continua sendo fundamental à história da literatura gay – Alexis ou o tratado do vão combate. Nele conta sem ocultar – embora com uma prosa tão estranha capaz de levar o leitor também a uma sublimação – a história de um homem que luta para trair seus instintos casando-se com uma mulher, mas no final se rende à sua natureza e a abandona. Yourcenar tem uma obra colossal – com Memórias de Adriano à frente – em que a homoafetividade é um tema recorrente.

Talvez possa se dizer, com uma taxonomia simples, que a literatura homossexual tem três grandes eixos, embora seus traços se confundam. O primeiro deles, que poderia ter Alexis como paradigma, é o do conflito, a da dor, a do sentimento de estranhamento. Com esse interesse Patricia Highsmith, quem construiu uma das personagens mais tortuosas e ambíguas da literatura do século XX, Tom Ripley, escreveu Carol. Publicado originalmente com pseudônimo, o romance é composto por uma das primeiras histórias homossexuais com final feliz.

Também, a partir desse conflito da identidade escreve o estadunidense Tennessee Williams, cujos dramas partem sempre de profundas inquietações. Seu compatriota James Baldwin enfrenta a dupla discriminação: a racial e a sexual. Ou Luis Cernuda, cujos poemas não deixam de tratar sobre as contradições da realidade e do desejo. Ou Carson McCullers, que em Reflexos num olho dourado explora o labirinto incontrolável da pulsão sexual. Ou, mais recentemente, David Leavitt, quem popularizou a literatura de tema gay em finais dos anos oitenta com Linguagem perdida.

O segundo eixo é o dandismo e da exaltação: a homossexualidade como celebração da vida, ou pelo menos como confirmação dela. O argentino Manuel Puig, Anaïs Nin, Jaime Gil de Biedma (mais em seus diários que em sua poesia), Pier Paolo Pasolini, Terenci Moix, Luis Antonio de Villena ou Eduardo Mendicutti focam no corpo, no gozo, na sensualidade e na alegria do homoerotismo. As memórias de Reinaldo Arenas, Antes que anoiteça, um livro belicoso politicamente e às vezes desolador por sua crueza, representa, apesar de todos pesares, uma maneira de dizer sobre a felicidade homossexual.

O terceiro e último eixo é o formado por obras da transgressão, em suas múltiplas formas: a homossexualidade como força de combate contra a intolerância dos modelos estabelecidos, isto é, como modelo de ruptura com a sociedade moldada pelas dicotomias e ortodoxias do vendido como normalidade. Genet, Burroughs ou Copi são três autores que escreveram com lâminas expostas e escandalizaram seus contemporâneos. Nesta estirpe podemos acrescentar ainda Guillaume Dustan, quem, em 1996, publicou Em meu quarto, um livro supostamente autobiográfico que relata sem dissimulação a promiscuidade e os excessos de certo tipo de vida gay; e o colombiano Fernando Vallejo, cujos livros são deliberadas bombas narrativas.

Se esta classificação é, como todas, insuficiente, bastará mencionar quatro romances em destaque dos últimos anos, escritos em língua espanhola para comprovar que a literatura gay – ou de tema gay – tem o privilégio de misturar configurações e atrevendo-se sem máscaras a dizer seus muitos nomes. Em El invitado amargo, Vicente Molina Foix e Luis Cremades trazem a memória do amor e de seus males. Em Jardín, Pablo Simonetti remove os conflitos familiares nos quais a homossexualidade às vezes se enreda. Em París-Austerlitz, Rafael Chirbes identifica as mestiçagens da identidade e seus abismos. E em Un mundo huérfano, seu primeiro romance, o colombiano Giuseppe Caputo se aproxima sem complexos da descoberta da exuberância erótica.

Nessa interminável e acadêmica discussão sobre se existe ou não a literatura homoerótica, cabe insistir em falarmos sempre sobre autores de uma solidez artística que supera qualquer clichê extraliterário: André Gide, Djuna Barnes, Allen Ginsberg, Yukio Mishima, Gertrude Stein, Elizabeth Bishop, Gabriela Mistral ou Juan Goytisolo expçora, antes de tudo, a alma humana. O amor, a intolerância, a solidão, a velhice, a onipresença da morte. Não é importante sua vida de alcova, mas sua visão literária. Os olhos com os quais escreveram o mundo que viam.

* Este texto é uma tradução livre de "Las caligrafías de la literatura homosexual", publicado no jornal El País.

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