Mídia e sociedade (desconstruindo o sensacionalismo)



Por Pedro Fernandes 



O artigo "Mídia, BBB e sociedade" despertou uma outra visão, necessária de ser exposta como inversamente proporcional àquela uma vez escrita. Enquanto afirmava que a mídia televisiva cumpre um papel comedido, estrito ou que ela comporta-se em prol do belo, do sensacionalismo e do espetacular, por isso só, fui levado a enxergar minha própria opinião sobre outro ângulo, a título de aventurar-se ainda mais nesse objeto de análise. Naquele artigo, a posição em que me coloquei foi na de sujeito enquanto ausente do objeto-mídia (em posição externa); aqui, pretendo vestir o avesso e analisá-lo como sujeito imbricado no conjunto de engrenagens que o comporta. 

Basta que tomemos como afirmativa a necessidade de unir massas em torno de si em busca do elemento número um, a audiência, para percebermos que todas as emissoras sentem a necessidade de exibir as mesmas coisas, só que do ponto mais dramático, do fulcro, do furo de reportagem, da realidade escancarada e nua nas novelas (e é por isso que vêm os reality shows) ou do inusitado, do trágico. É a exposição do cotidiano que dá audiência: paira o sensacionalismo. Explicam-se aí os índices globais para as novelas a Manoel Carlos ou jornais X. No caso dos jornais, quantas vezes não já nos deparamos com a mesma reportagem, praticamente, em determinada época do ano? (costumo mesmo dizer que só mudam os repórteres, o texto é paráfrase do antigo). A grande jogada, o grande furo encontra-se aí, na padronização do cotidiano. 

Existe, pois, uma tentativa de homogeneização, que se não se está presente apenas na programação, mas nas próprias emissoras com suas programações; os elementos aqui envolvidos, as emissoras, fazem o possível e o impossível para se sobressaírem. Buscam pelo espaço e não por espaço. Por esse viés, enxergamos a mídia televisiva como escrava da própria mídia televisiva. É tudo um jogo de ir-e-vir de poderes simbólicos, como bem categoriza Pierre Bourdieu, sociólogo francês, em uma de suas palestras no Collége de France. A mídia busca o escravizar porque ela própria expõe uma escravidão para com ela mesma. É todo um jogo, também, de estruturas mentais do ver-pensar. A mídia não se põe alheia ou estritamente culpada pela futilidade, ela ajusta-se às estruturas do próprio público. O inusitado que se pôr longe do público não faz sucesso, uma vez que o sucesso é o próprio público. 

Retomemos o caso do BBB. Por mais que a mídia insista em X para ganhar o prêmio porque o sujeito é bonito ou possui chances com o mercado televisivo, ainda assim o público brasileiro, com espírito à Tereza de Calcutá, procuraria valorizar e dar oportunidade ao candidato Y se este se mostrar carente, necessitado, injustiçado. Não foi à toa então que em edições pré-BBB 7 escolheram-se candidatos aleatórios aos padrões da casa, na edição em voga detonou-se isso, já que os ganhadores eram justamente representantes do povo.

Por tal atitude depura-se que a TV enquanto monopolista senhora escrava busca impor o que deve ser padrão (no vestir, no falar, no comer, no agir, no comportar-se etc.). É uma forma inconsciente de conscientemente dar continuidade ao processo de dominação simbólica que ela própria vivencia. A estratégia é jogar fatias da realidade, as mais chocantes possíveis, sem reflexões, a fim de sobressair das amarras homogeneizantes que existem no próprio espaço midiático. 

Uma outra questão ainda inserida no bojo mídia televisiva enquanto formadora de opinião está no mostrar apenas um lado da questão. Isso acontece porque toda e qualquer cadeia de televisão está à frente de interesses outros que não os da própria mídia televisiva, uma vez sê-la está moldada pelo campo econômico; a prioridade em seguir o lema do tudo pela audiência parte justamente dessa esfera capitalista.

Só enxergo no breu da questão uma maneira em que esse papel midiático contemporâneo seria revisto, até modificado e utopicamente ruiria; seria quando os próprios sujeitos, peças da engrenagem social chamada público, passassem a fazer uso do pouco poder que ainda lhe resta na mídia, para na mídia levá-la ao repensar da mídia enquanto mídia. Caracterizo tal fato de utopia porque a população parece tão compenetrada como suas individualidades que as questões político-sociais, e esta é uma, que diz respeito a todos, são postas de lado. Algo desse tipo deveria ser extremamente sutil, levado pela lógica do cavalo de Tróia.

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