Um texto com relações entre José Saramago e Jean Paul-Sartre e cinco citações de O Conto da Ilha Desconhecida

Por Pedro Fernandes



Neste ano findei, não digo definitivamente, minhas falas, sobre O conto da ilha desconhecida, de José Saramago. O aposto é parte de um desejo meu de, futuramente, proceder uma revisão acurada deste trabalho, elastecer suas fronteiras, aprofundar algumas questões, e apresentá-lo sob forma de livro. Foram anos de convivência com este texto que me rendeu tantas possibilidades de leitura: das relações entre literatura e história a temas como o feminino; das relações entre literatura e filosofia a temas como a viagem; das reflexões de corte político às de corte de simbólico.

E pensar que tudo começou em 2007, por ocasião de uma entrega para o Colóquio Nacional de Estudos da Linguagem (CONEL) realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Era para ser apenas um artigo; e a coisa se expandiu: o estudo foi levado a várias outras abordagens, seguindo o curso temático proposto por vários outros congressos; depois do evento de 2007, esteve na Semana de Humanidades por duas vezes, em 2008 e em 2009, também na UFRN, assim como a Semana de Estudos Linguísticos e Literários de Pau dos Ferros (SELLP) na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) / Campus Professora Maria Albuquerque Maia.

No final do curso de Letras, comecei a escrever um estudo dedicado ao romance Ensaio sobre a lucidez, mas a extensão do material, escapando das diretrizes esperadas de uma monografia, me fizeram outra vez regressar a O conto da ilha desconhecida e eis o tal estudo que sonho alguma vez fazê-lo livro. Os papéis dedicados ao Ensaio sobre a lucidez permaneceram inéditos. 

Enquanto isso, minha peregrinação com este pequeno grande livro de José Saramago me levou a congressos internacionais como o Texto e Cultura, em Fortaleza, ainda em 2008 e ao Colóquio Internacional de Estudos Comparativos (CONIEC), em Campina Grande, neste mesmo ano. Aperfeiçoamentos de leitor, possibilidade de construir as veredas que se abriam a partir do estudo que visava deslindar as marcas do ser sartriano e do ser saramaguiano.

Alguns desses textos desenvolvidos da ideia central da monografia, e agora o próprio trabalho de final de curso, estão disponíveis na web, caso o leitor tenha curiosidade de conhecê-los. É que dos materiais nascidos em congressos (e publicados nos anais dos eventos) partiram ainda dois estudos publicados em revistas nacionais, os periódicos Literatura e Cultura, administrado pela professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRN), Luiza Lobo, e Nau Literária, do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGL/UFRGS).

Bom, agora digo que findei porque me envolvo em outra sequência temática sobre a obra desse escritor que, muito provavelmente será o eleito de uma vida inteira de pesquisador: o da identidade feminina nas obras Ensaio sobre a cegueira Memorial do convento. O novo território que piso dará o fruto de uma dissertação de mestrado que, por enquanto, palpita, está na fase de projeto.


***

Pelo gosto de incitar os leitores a conhecer este conto de José Saramago, tomo a liberdade de recortar cinco excertos da obra aqui citada

1. “Disparate, já não há ilhas desconhecidas, Quem foi que te disse, rei, que já não há ilhas desconhecidas, Estão todas nos mapas, Nos mapas só estão as ilhas conhecidas, E que ilha desconhecida é esse de que queres ir à procura, Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida.”

2. “O capitão veio, leu o cartão, mirou o homem de alto a baixo, e fez a pergunta que o rei se tinha esquecido de fazer, Sabes navegar, tens carta de navegação, ao que o homem respondeu, Aprenderei no mar.”

3. “Que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver aqui, eu oferecia-me para lavar os barcos que vêm à doca, e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício, uma profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és.”

4. “Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós.”

5. “Desde que a viagem à ilha desconhecida começou que não se vê o homem do leme comer, deve ser porque está a sonhar, apenas a sonhar, e se no sonho lhe apetecesse um pedaço de pão ou uma maça, seria um puro invento, nada mais.”

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A pintura que ilustra esta postagem é Estudo (Jovem nu sentado à beira do mar), de Jean-Hippolyte Flandrin, de 1836. Tomei esta imagem como epígrafe plástica para o trabalho monográfico sobre O conto da ilha desconhecida. Este intitula-se O ser em O conto da ilha desconhecida diante do ser Sartriano e está aqui.

Publicado em 1997 por encomenda da EXPO'98, quando Portugal sediava o grande evento e recordava o passado das Grandes Navegações, o conto de José Saramago chegou aos leitores brasileiros através da Companhia das Letras numa edição caprichada e marcada pela arte de Arthur Luiz Piza, o autor das imagens que aparece nas capas da atual coleção editada por esta casa com a obra do escritor português. 

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